Quando o assunto é reforma política, os parlamentares fogem do repórter
como o diabo fugiria da cruz. Foram 30 dias tentando ouvir políticos
paraibanos sobre um dos assuntos mais necessários à democracia
brasileira neste momento. Só dois responderam alguma coisa, a maioria
fugiu do tema.
A razão disso é o pouco interesse em mexer numa
estrutura que os beneficia. A regra do jogo como está garante aos 12
deputados e três senadores paraibanos a permanência no poder do grupo
político a que pertencem, privilégios, currais eleitorais e toda uma
sorte de vantagens que só o mundo político brasileiro reproduz.
A
última mexida no tabuleiro feita em 2017 e não foi uma reforma. O
Legislativo deu seu golpe e aprovou o fim das coligações para disputas
proporcionais (que só passará a valer em 2020) e a criação do Fundo
Especial para Financiamento de Campanhas, que tirou do cidadão e deu ao
político R$ R$ 1,7 bilhão para ele conseguir seus votos.
Agora,
os políticos já defendem a volta das coligações e a retomada do
financiamento de campanhas por empresas, modelo que foi extinto em 2015.
Para especialistas, a implantação do voto distrital misto e adoção da
escolha de candidatos, dentro dos partidos, através do sistema de
listas. O voto distrital deixa o parlamentar bem mais próximo e sujeito a
mais cobranças do eleitor, enquanto as listas estimulariam a seleção de
candidatos com mais preparo e maior identificação com bandeiras
partidárias.
Assim, a reforma política segue fora da pauta
principal do Congresso Nacional e algumas das propostas apresentadas por
deputados e senadores representam retrocesso, pois buscam o retorno de
algumas regras que valiam antes das últimas alterações nos sistemas
político e eleitoral, consideradas avanços para solução de alguns
problemas, dentre elas o fim do financiamento empresarial de campanhas, a
extinção dos chamados puxadores de votos e as eleições por meio das
coligações partidárias nas disputas proporcionais.
Por enquanto,
não há expectativa que essas e outras propostas, apresentadas neste ano
e as que deverão vir pela frente, sejam aprovadas em tempo hábil. Até
porque faltam menos de três meses do prazo final para que qualquer
alteração no sistema político e eleitoral brasileiro passe a valer para
as eleições de 2020. Além disso, as discussões sobre uma nova Reforma
Política ocorrem de forma pontual e lenta, com propostas que podem
resultar em uma contrarreforma. Para que tenham validade no próximo
pleito, é preciso que o Congresso Nacional aprove e promulgue, ou o
presidente da República sancione qualquer tipo de alteração até 11 de
outubro.
Como as discussões, muito pelo comprometimento da
agenda parlamentar com as questões de ordem econômica e o projeto de
reforma da previdência e agora a da tributária ainda não decolaram,
parlamentares e juristas acreditam que ela, mais uma vez, não sairá do
papel.
Mesmo que deputados federais e senadores já tenham
apresentado neste ano mais de 20 projetos para alterar as regras das
próximas disputas, e até mesmo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ter
formalizado, ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia
(DEM-RJ), proposta formal de mudança para o sistema eleitoral, elas
precisam ser aprovadas até o começo de outubro.
No entanto, o
clima não vem sendo nada favorável para a priorização dessas matérias e
para que elas sejam votadas em tempo hábil para passar a vigorar em
2020, quando serão eleitos os prefeitos e os vereadores dos 5.570
municípios brasileiros.
Na contramão
Dentre as propostas que caminham na contramão do que já foi aprovado, já
passou a vigorar ou que vão vigorar a partir do próximo ano, estão a
que prevê o retorno das coligações para disputa proporcional. A
alteração da regra, aprovada em 2017, passou a proibir a celebração de
coligações nas disputas proporcionais a partir das eleições do próximo
ano. Os partidos terão que eleger seus parlamentares sozinhos, com os
próprios votos e o da própria legenda.
Há pelo menos quatro
propostas de extinção do Fundo de Especial de Financiamento Público de
Campanhas, o chamado fundo eleitoral, também aprovado em 2017. Como se
não bastasse, tem proposta para o retorno do financiamento de campanhas
por empresas, como também para aumentar ou acabar com a cota para
mulheres e até para diminuir a quantidade de algarismos no número que os
candidatos a vereador usam nas urnas, de cinco para três.
Também há propostas para alteração em regas de debates, de entrevistas
na TV e na divulgação de pesquisas. Como um projeto apresentado pelo
deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP), que foi eleito com base em sua
atuação nas redes sociais e quer extinguir o fundo eleitoral, o fundo
partidário (que financia partidos políticos e a propaganda eleitoral
gratuita no rádio e na TV), com o argumento de que a divisão do fundo é
antidemocrática, porque o eleitor financia partidos e candidatos com os
quais não concorda, enquanto veem sem recursos aquele partido ou
candidato com o qual tem afinidade.
No que diz respeito à cota
de gênero, há uma proposta do senador Angelo Coronel (PSDB-BA), que quer
acabar com uma regra que está em vigor desde 2009, segundo a qual as
mulheres precisam ser 30% das candidaturas registradas. Também há
propostas que preveem ampliação dessa conquista, como as de autoria dos
deputados federais Marcelo Freixo (PSOL-RJ) e Sâmia Bomfim (PSOL-SP),
que destinam mais espaços para mulheres. Uma reserva 50% das vagas no
legislativo municipal e distrital, como também para deputados, de 50%
para cada gênero.
Sem atualização
O
senador Veneziano Vital do Rêgo (PSB) considera que as propostas para
reforma política são infrutíferas para o momento. Segundo ele, não há
como se levantar quaisquer discussões que visem mudanças nas legislações
eleitorais.
“Vamos para uma disputa eleitoral no próximo ano,
na qual as coligações proporcionais não serão mais permitidas. Será uma
primeira experiência com o fim das coligações. Eu acho que reforma
política não é o tema de agora. Eu penso que uma reforma política mais
profunda deveria ter sido feita desde 2015, como eu sempre disse, mas
não foi. Ficaram sendo feitos remendos, mas no momento não vejo qualquer
ambiente para essa discussão”, comentou.
Veneziano disse ainda
que o que defenderia, se houvesse tempo hábil e vontade política para
realização de uma reforma política, seria um calendário único, com a
unificação das eleições para todos os cargos eletivos. “Eu sempre
defendi essa proposta. Mas os próprios presidentes, tanto da Câmara,
quanto do Senado - a matéria está na Câmara - não veem condições do
debate do tema neste instante. Eu sou defensor do calendário único, de
vereador a presidente da República, num único momento, para que nós não
tenhamos tantas perdas que são verificadas, quando se estabelece
eleições em períodos tão curtos de dois em dois anos”, afirmou.
O
deputado Efraim Filho (Democratas), coordenador da bancada federal da
Paraíba, também acredita que as discussões sobre reforma política não
vão entrar na pauta, devido a prioridade que estão elencadas para o
período, que são as reformas da previdência e tributária.
“Enquanto não houver a votação da reforma política, as demais reformas, e
principalmente a política, ficarão paradas. Não há nada em andamento
ainda na Câmara sobre reforma políticas. As propostas apresentadas estão
paralisadas”, declarou.
Os demais integrantes da bancada
federal paraibana também foram procurados para falar sobre as propostas
de reforma em tramitação na Casa, mas preferiram não opinar. Porque
acreditam que elas não serão votadas em tempo hábil para passar a
vigorar no próximo ano.
O cenário totalmente desfavorável à
reforma política também é apontado por juristas. Para o advogado
Delosmar Mendonça, professor de Direito Eleitoral, devido à
instabilidade econômica, social e política do país, não há cenário
favorável para a reforma política.
“A prioridade é no campo
fiscal. Antes da retomada do crescimento econômico e geração de empregos
não vejo como inserir reforma política. Temo que a crise social vá se
agravar e ainda se articular com a profunda intolerância política do
momento”, comentou.
O advogado defende o voto distrital misto, o
fim da reeleição para qualquer cargo, mandato de cinco anos, revogação
popular de mandato eletivo; a proibição de doação por pessoas jurídicas e
o fim do financiamento público de campanhas, a coincidência das
eleições, a manutenção da cláusula de barreira e desempenho.
“Não defendo candidaturas avulsas e nem o voto facultativo. Mas sou
favorável que ocorra a redução do número de senadores e de mandatos. No
caso, ao invés de três, teríamos dois. E o mandato seria reduzido de
oito para cinco anos”, defendeu.
O advogado Marcelo Weick, que é
coordenador geral da Academia de Direito Eleitoral (Abradep), também
acredita que este ano há uma forte probabilidade do Congresso Nacional
retomar as discussões sobre a Reforma Política. Segundo ele, um dos
pontos a serem discutidos, por provocação do próprio Tribunal Superior
Eleitoral, em uma comissão especial coordenada pelo ministro Luís
Roberto Barroso, é a introdução do sistema distrital misto, em
substituição ao atual sistema proporcional. “Haverá também um debate
sobre a antecipação dos prazos de registro de candidaturas (atualmente
com prazo de até 45 dias antes da eleição), como forma de possibilitar o
julgamento das inelegibilidades para antes do dia da eleição”,
comentou.
Weick também destacou a forte movimentação de
prefeitos para a unificação das eleições e, segundo ele, com uma
flagrante inconstitucionalidade na ideia de prorrogação dos atuais
mandatos de prefeitos, além da tentativa de emplacar um maior rigor para
a cláusula de barreira, com maiores limitações às prerrogativas
parlamentares, para forçar a diminuição de partidos políticos no Brasil.
“Essa tentativa vai permanecer, como forma de reduzir o número de
partidos, o que já está em curso, com a cláusula de desempenho e o fim
das coligações para cargos proporcionais que vão passar a vigorar nas
eleições do próximo ano”, opinou.
Já para o advogado e sociólogo
Breno Wanderley César Segundo, que já atuou com juiz do Tribunal
Regional Eleitoral da Paraíba (TRE-PB), é muito difícil que ocorra
qualquer mudança significativa advinda da reforma política para as
próximas eleições.
“Creio que nem tão cedo o assunto seja
debatido no Congresso Nacional. Mas acredito que a proposta que mais
avançou, embora de modo tímido, foi a discussão sobre o Sistema Misto
Alemão. Esse sistema combina representação proporcional com majoritária
para a eleição parlamentar. Penso que existe uma tendência dos
legisladores a propor que o voto seja realizado em Lista Fechada nas
eleições de 2022, para selecionar os candidatos. Vários países a exemplo
do México, Itália, Japão, Nova Zelândia, Albânia, Croácia, Rússia,
Venezuela, Hungria, dentre outros passaram a utilizar esse sistema”,
comentou.
De acordo com Breno, o Brasil deveria adotar o sistema
parlamentarista. “Historicamente já se pode perceber que o
presidencialismo não deu certo. Concordo com o pensamento do ex-deputado
Marcondes Gadelha com o fato de que o presidencialismo é uma indústria
de crises e de que o presidencialismo foi responsável por golpe,
suicídio, deportação, impeachment dentre outras crises. Acredito que o
parlamentarismo é uma forma de se evitar e minorar uma série de males
para a República”, declarou.
OAB forma comissão especial para discutir proposta
Para tratar da elaboração, análise e discussão de propostas e temas
para reforma política, o presidente do Conselho Federal da OAB, Felipe
Santa Cruz, instituiu a Comissão Nacional de Estudo da Reforma Política,
que conta com representantes de todo o país como membros. Um dos
integrantes da comissão é o advogado paraibano Marcos Souto Maior Filho.
Ele explicou que a comissão especial tem função de estudar todos os
assuntos relativos à Reforma Política no Conselho Federal e manter
intercâmbio com o Congresso Nacional enviando projetos sobre o tema,
após serem submetidos ao Pleno do CFOAB.
A primeira reunião da
comissão ocorreu no fim do mês passado, quando foram distribuídos como
os integrantes da comissão uma série de temas para serem analisados e
para que cada um apresentem seus pareceres sobre a proposta. O tema que
ficou sob a responsabilidade do paraibano foi sobre a questão das
candidaturas avulsas, que trata da possibilidade de candidaturas sem
filiação partidária e de forma independente, propondo alteração na
Constituição Federal e a legislação eleitoral em vigor.
Inclusive a Comissão, como adiantou Marcos Souto, caminha pela aprovação
contrária à implantação do voto distrital misto, por considerar que não
trará avanços para o sistema eleitoral, nem redução de gastos, nem
aumento da representação parlamentar. Inclusive já aprovou o parecer
prévio contrário à proposta, que inclusive foi apresentada pelo TSE ao
presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, como proposta
prioritária da Justiça Eleitoral. O parecer definitivo, com a posição da
OAB será aprovado pelo Conselho Federal.
Apesar de integrar a
comissão especial da reforma política da OAB, o advogado Marcos Souto
disse que acha muito difícil haver uma reforma política ampla,
irrestrita, como é defendido. “Alguns defendem a reforma política de,
inicialmente, fazer uma experiência nos municípios. Eu sou contra ao
voto distrital, a candidatura avulsa, e entendo que diante da existência
de grandes conflitos no Congresso Nacional, em relação às reformas
previdenciárias e a tributária, pouco se avançará no que diz respeito à
reforma política”, declarou.
Para ele, mesmo com a realização de
uma reforma ampla, não mudará muito os problemas existentes no sistema
eleitoral e político do país. “A reforma maior, no meu sentir, é na
consciência do cidadão, é na consciência do eleitor e eleitora para
eleger representantes dignos, afastando de uma vez por todas a
corrupção, a compra de votos e qualquer crime de caixa 2”, declarou.
Marcos Souto Maior Filho foi juiz do TRE-PB e exerceu vários cargos na
OAB, além de ter integrado a Comissão Nacional de Direito Eleitoral no
período de 2013 a 2016, nomeado pelo ex-presidente Marcus Vinicius, e a
Comissão de Direito Eleitoral da OAB-DF durante o triênio 2016/2018.
“Fico muito feliz e lisonjeado pela indicação do presidente da OAB-DF e
pela nomeação pelo presidente do Conselho Federal. Estarei lá,
modestamente, emprestando meus serviços e conhecimentos técnicos à nossa
OAB em um dos temas mais caros para o Direito brasileiro”, comentou.
Por Adriana Rodrigues / 14 de julho de 2019.
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