A
2ª seção do STJ concluiu nesta quarta-feira, 27, julgamento sobre a
cobertura do seguro habitacional do SFH - Sistema Financeiro da
Habitação por sinistros provocados por vícios na construção. A maioria
do colegiado acompanhou o voto da relatora, ministra Nancy Andrighi, com
entendimento a favor dos mutuários.
Os
imóveis objetos da lide foram feitos para pessoas de baixíssima renda,
que, conforme a defesa, "viram o 'sonho da casa própria' se transformar
no pesadelo do desmoronamento".
O juízo da 2ª vara Cível de Bauru/SP julgou procedente a ação pois, caso assim não fosse, "o
contrato de seguro de que se trata representaria, sem dúvida alguma, um
grande privilégio concedido às seguradoras, pois, excluídos do âmbito
da cobertura os chamados "vícios de construção", que são os mais comuns,
pouco ou quase nenhum benefício dele resultaria aos mutuários, que
poderiam apenas pleitear indenização por riscos decorrentes de "causas
externas"”.
Conforme
a sentença, os mutuários do SFH, conquanto não tenham ingerência na
formalização do contrato de seguro, têm o prêmio embutido na sua
prestação mensal, “o que reforça ainda mais a conclusão de que a Apólice sob análise contempla, efetivamente, a cobertura dos vícios construtivos”.
Já
o acórdão recorrido, do TJ/SP, reformou a sentença, assentando que os
referidos danos, provenientes de causas internas, porquanto intrínsecos à
coisa segurada (e, pois, qualificados como de responsabilidade do
construtor), estão expressamente excluídos da cobertura securitária.
Boa-fé objetiva e função social do contrato
A
ministra Nancy Andrighi reformou o acórdão paulista para restabelecer a
sentença. De acordo com a relatora, “a pedra de toque” para o correto
exame da questão é a boa-fé objetiva contextualizada na função
socioeconômica que desempenha o contrato de seguro habitacional
obrigatório vinculado ao SFH.
Nancy
citou informações retiradas do próprio site da Caixa Econômica Federal,
em consulta realizada, no sentido de que o seguro habitacional é
garantia fundamental e obrigatória para crédito imobiliário com
benefícios para todas as partes envolvidas, e garante a indenização ou
reconstrução do imóvel.
Assim,
prosseguiu S. Exa., o seguro obrigatório ganha função diferenciada
dentro da política habitacional, visando a proteção da família em caso
de morte ou invalidez do segurado e salvaguarda do imóvel que garante o
respectivo financiamento imobiliário.
“Uma
das justas expectativas do segurado nessas condições é a de receber o
imóvel próprio e adequado ao uso a que se destina, e corresponde a de
ser devidamente indenizado por prejuízos suportados em decorrência de
danos originados na vigência do contrato, como os vícios estruturais de
construção.”
No
caso concreto, destacou, os danos suportados pelos segurados resultaram
de vícios estruturais de construção a que não deram causa e não
poderiam evitar, e que evidentemente se agravam com o decurso do tempo e
a utilização da coisa. Há o risco expresso de desmoronamento dos
imóveis.
Para
a ministra Nancy, a interpretação fundada na boa-fé objetiva
contextualizada pela função socioeconômica que desempenha o contrato
leva a concluir que a restrição de cobertura no tocante aos riscos
indicados deve ser compreendida como a exclusão da seguradora de atos
praticados pelo próprio segurado ou uso natural.
“Ao
contrário do entendimento do TJ/SP, não é compatível com a garantia de
segurança esperada supor que prejuízos que se verifiquem por vícios de
construção sejam excluídos de cobertura securitária. (...)
De
fato, por qualquer ângulo, conclui-se à luz dos parâmetros da boa-fé
objetiva e da função social do contrato que os vícios estruturais da
construção estão acobertados pelo seguro habitacional, cujos efeitos
devem se estender no tempo mesmo após a extinção do contrato, ainda que
se revele após a extinção, pois o vício é oculto.”
O
julgamento foi retomado com o voto-vista do ministro Antonio Carlos,
que deu parcial provimento ao recurso, determinando retorno dos autos a
origem para que a Corte local prossiga no julgamento de embargos à
apelação. Para S. Exa., não é possível invocar, no caso, a boa-fé
objetiva. O ministro Ricardo Cueva acompanhou a divergência, ficando
ambos parcialmente vencidos.
O advogado Guilherme Veiga Chaves, do escriório Gamborgi, Bruno e Camisão Associados Advocacia,
é um dos causídicos em atuação pelos recorrentes. O advogado destacou
do julgado o voto do ministro Raul Araújo, acompanhando a relatora, que
"foi preciso ao reconhecer que há uma norma expressa que reconhece a
cobertura para vícios de construção na resolução BNH 114".
"O
STJ ao confirmar a jurisprudência tradicional de cobertura securitária
para vícios de construção, assegurou a preservação do direito à vida, à
dignidade e à moradia. A
reafirmação da jurisprudência do STJ sobre a matéria abre um importante
caminho para os acordos nesse tipo de demanda, abreviando o sofrimento
dessas pessoas carentes e diminuindo os custos envolvidos na solução do
problema."